Poucas aeronaves na história se tornaram tão emblemáticas quanto o
helicóptero russo Mil Mi-24. Em um certo momento, foi considerado um
verdadeiro símbolo do poder militar soviético. O Mi-24, denominado pela
OTAN como "Hind", quarenta anos após entrar em serviço, ainda continua
em produção e é uma referência em poderio aéreo.
A concepção do Mi-24 "Hind" vem da década de 1960. Nessa época, auge de
tensão na Guerra Fria, tornou-se evidente para os soviéticos, e para o designer
aeronáutico Mikhail Leont'yevitch Mil, que a crescente mobilidade no
campo de batalha tornaria necessário um apoio aéreo mais eficaz. Mil
começava, então, a conceber o conceito de um verdadeiro "tanque voador",
que acompanharia os tanques terrestres no campo de batalha e que teria
poderio suficiente para destruir os tanques inimigos. Além disso, essa
máquina deveria ter capacidade de transportar tropas ao campo de
batalha.
Mil, a partir de um projeto anterior, o V-22, helicóptero utilitário que
jamais chegou a voar, desenvolveu uma nova máquina, materializada na
forma de um mock-up apresentado em 1966 em uma exposição de aeronaves experimentais para o Ministro das Aeronaves, como projeto nº 329. Esse mock-up,
designado V-24, idealizava uma aeronave capaz de levar oito soldados
armados a bordo, e era equipado com duas pequenas asas instaladas na
parte traseira da cabine de passageiros, onde foram instalados cabides
para seis mísseis ou foguetes. Um canhão de cano duplo GSh 23L, com
calibre de 23 mm, instalado no esqui do trem de pouso, complementava o
armamento.
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Mikhail Mil, o maior de todos os projetistas de helicópteros da Rússia |
Logo Mikhail Mil sentiu oposição de alguns militares soviéticos, que
preferiam ver os seus recursos investidos em máquinas mais
convencionais. Continuou insistindo, no entanto, e convenceu o
Vice-Ministro da Defesa Andrey A. Grenchko, a convocar um conselho de
especialistas para analisar seu conceito.
Nessa época, os americanos estavam empregando helicópteros de transporte
de tropas e de combate na Guerra do Vietnam. O principal helicóptero
americano empregado no Vietnam, o Bell 205, designado militarmente como
UH-1, e apelidado Huey, foi concebido para transportar tropas ao campo
de batalha, mas logo foi equipado com armamentos como canhões e
lançadores de foguetes. O sucesso do Huey no Vietnam foi decisivo para
convencer os militares soviéticos que o conceito do V-24 de Mil não
apenas era válido, como poderia ser essencial nos campos de batalha do
futuro.
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Cockpit do Mi-24 |
Os engenheiros de Mil projetaram duas versões para o -24: o primeiro era
um helicóptero monomotor de 7 toneladas, e o outro um bimotor de 10,5
toneladas. Ambas as versões seriam equipadas com motores turboeixo
Isotov TV3-177A, de 1700 SHP cada.
O Escritório de Projetos Kamov ofereceu uma opção de baixo custo, uma
versão para o Exército do helicóptero naval Ka-25. Todavia, tal projeto
foi preterido pela versão bimotor do V-24. Mil construiu três
mock-ups
da cabine para definir o posicionamento dos tripulantes e passageiros.
Por fim, o projeto foi aprovado em 6 de maio de 1968, e Mikhail Mil
ficou como projetista-chefe até sua morte, em 1970, aos 60 anos de
idade.
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Mi-24 disparando suas armas |
O projeto detalhado do Mi-24 foi iniciado em agosto de 1968, sob o nome-código Amarelo 24. Em fevereiro de 1969, o
mock-up
em escala 1:1 da aeronave foi concluído e aprovado. O primeiro
protótipo foi testado em voo pairado e cativo em 15 de setembro de 1969,
seguido pelo primeiro voo livre quatro dias depois. Um segundo
protótipo foi construído logo após, seguido de um lote de 10 aeronaves
de pré-série, destinados à avaliação operacional.
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Painel principal do Mi-24 |
Os testes de avaliação da aeronave começaram em junho de 1970, e
prosseguiram por 18 meses. Algumas modificações foram introduzidas no
decorrer desse tempo, visando principalmente a aumentar a resistência
estrutural, a redução de vibração e a minimização da fadiga. A aeronave
tinha tendência ao
Dutch Roll em velocidades acima de 200 Km/h, e
a solução encontrada foi instalar as asas com um ângulo diedro negativo
de 12 graus. Essas asas deram um aspecto bastante característico e
agressivo ao helicóptero. Outras modificações foram introduzidas, como
reposicionar o rotor de cauda da direita para a esquerda, e inverter o
sentido de rotação, para que o mesmo aproveitasse o
downwash do rotor principal e tivesse sua eficiência aumentada. Os
pylons dos mísseis antitanque Falanga foram reposicionados, da fuselagem para as asas.
No final de 1970, a versão de produção Mi-24A entrou na linha de montagem, atingiu seu IOC (
Initial Operating Capability
- Capacidade Operacional Inicial) em 1971 e foi aceita oficialmente no
Arsenal das forças armadas soviéticas em 1972. A OTAN atribuiu o
codinome "Hind" para a aeronave.
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Vista em corte do Mi-24 |
Sob qualquer ponto de vista, o Mi-24A era impressionante. Os dois
motores foram posicionados bem juntos, no alto da cabine, com entradas
de ar duplas. O rotor principal tinha 5 pás de 17,3 metros de
comprimento cada, e o rotor de cauda 3 pás. A cabine e o cockpit eram
pressurizados, não tanto para aumentar o teto operacional, mas para
melhor proteger os ocupantes de armas químicas ou biológicas. Toda a
parte inferior e boa parte da lateral foram protegidas com uma blindagem
balística de titânio, capaz de absorver até munições calibre .50. O
cockpit recebeu painéis de vidro plano, a prova de balas. Até mesmo as
pás do rotor, feitas em titânio, podiam resistir a projéteis calibre
.50. Essa proteção valeu ao Mi-24 o apelido de Tanque de Guerra Voador.
Nos meios russos, no entando, o apelido mais comum do Mi-24 era Krokodil
(crocodilo), devido à sua camuflagem e ao seu aspecto agressivo.
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Cabine de "passageiros" do Mi-24, para 8 soldados equipados |
Mil dedicou considerável esforço no sentido de obter alta velocidade,
embora isso implique em problemas para uma aeronave de asa rotativa.
Para prevenir a assimetria de sustentação do rotor em alta velocidade, o
mastro foi inclinado 2 graus e meio para a direita. Para manter o rotor
paralelo ao solo, quando pousado, o trem de pouso era assimétrico.
Dessa forma, quando a aeronave estava no chão, a fuselagem ficava
inclinada ligeiramente, 2,5º, à esquerda.
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Mi-35 afegãos, no deserto do Afeganistão |
O trem de pouso triciclo era escamoteável. As asas fixas forneciam até
um quarto da sustentação total em alta velocidade. A superfície de
aerofólio da cauda era assimétrica, fornecendo um esforço lateral
antitorque em alta velocidade, o que aliviava a pressão sobre o rotor de
cauda.
Quando foi colocado em serviço, o Mi-24 demonstrou ser uma máquina
aterrorizante, mas sua capacidade simultânea de ataque/transporte de
tropas não foi tão eficaz como se pretendia. Na verdade, para se
aproveitar a aeronave como transporte, muitas vezes se removia parte da
blindagem para reduzir o peso, anulando as vantagens de resistência a
projéteis de armas leves em campo de batalha. Tornou-se comum, assim,
utilizar uma combinação de helicópteros de transporte Mi-8 e os Mi-24
como escolta. Na guerra dos soviéticos no Afeganistão, no entanto, a
capacidade multifuncional ataque/transporte do Mi-24 foi muito
utilizada.
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Mi-24 oferecido à venda |
A estréia do Mi-24 em combate ocorreu na Guerra de Ogaden, entre a
Etiópia e os guerrilheiros somalis, entre 1977 e 1978, na qual a
aeronave foi muito bem sucedida. Mas a Guerra do Afeganistão, entre 1979
e 1989, é que foi a maior experiência bélica dos Mi-24. Não se sabe ao
certo quanto desses helicópteros foram utilizados no Afeganistão, tanto
por forças afegãs contra os guerrilheiros rebeldes Mujahedin, quanto
pelos próprios soviéticos, mas algumas fontes afirmam que podem ter sido
utilizados até 600 helicópteros por ano na guerra, 250 dos quais eram
Mil Mi-24.
No Afeganistão, a simples presença dos Hind aterrorizava os
guerrilheiros. As máquinas eram praticamente invulneráveis às
metralhadoras e outras armas de baixo calibre, de modo que não adiantava
muito atirar contra elas. O guerrilheiros Mujahedin apelidaram os Mi-24
de "Shaitan-Arba", a Carruagem de Satanás.
O primeiro helicóptero Mi-24 foi abatido no Afeganistão em 30 de maio de
1979, mas a máquina permaneceu como alvo extremamente difícil de ser
abatido até que os americanos começaram a fornecer mísseis portáteis
Stinger, guiados por infravermelho, aos Mujahedin. Os Stingers foram as
únicas armas realmente perigosas para os Mi-24, e pelo menos 27 Hind
foram derrubados no Afeganistão por essas armas. Os mísseis Stinger, com
apenas 10,1 Kg de peso eram disparados do ombro de um soldado,
dispensando instalações em solo para seu disparo. Podiam atingir
velocidade de Mach 2,2 antes de atingir o alvo.
Ao todo, entre 78 e 80 Mi-24 foram perdidos na Guerra do Afeganistão,
embora muitas perdas fossem creditadas ao ambiente inóspito e acidentes.
Muitos Mi-24 sobreviveram ao armamento antiaéreo, incluindo mísseis, no
entanto, e a máquina mostrou ser altamente resistente mesmo no hostil
ambiente do deserto, com areia e calor intenso.
Os Mi-24 sobreviveram a várias guerras, além do Afeganistão, como a
Guerra do Golfo, Guerra Irã-Iraque, Guerra do Iraque e vários outros
conflitos, especialmente guerras civis envolvendo países e povos
pertencentes à ex-União Soviética. Até hoje, os helicópteros Mi-24 estão
envolvidos em conflitos regionais, como as guerra civis na Líbia e na
Síria (2011-2012).
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Nariz do Mi-24 |
Os Hind foram uma das aeronaves soviéticas/russas mais populares no
resto do mundo. Acima de 50 países operam ou já operaram esses
helicópteros. Os russos desenvolveram versões de exportação, algumas
ocidentalizadas, denominada Mil Mi-25 e Mi-35, a última das quais
permanece em produção e continua interessando forças armadas de muitos
países, devido à sua versatilidade, resistência, poder de fogo e baixo
custo operacional.
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Mi-35 da Força Aérea Brasileira, designado AH-2 Sabre |
Os Mil Mi-35 são as primeiras aeronaves russas a serem operadas pela FAB
- Força Aérea Brasileira. Tratam-se de versões atualizadas Mi-35M com
aviônica israelense. Doze aeronaves são operadas pelo 2º/8º GAV,
baseadas em Porto Velho, Rondônia. Na FAB, os Mi-35 foram redesignados
como AH-2 Sabre.
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AH-2 Sabre da FAB em Porto Velho/RO |
Desde 1969, Mil desenvolveu muitas versões dos Mi-24/25/35, sendo
algumas para uso policial e paramilitar. Nas figuras abaixo, pode-se ter
uma idéia das variantes fabricadas. A aeronave permanece em produção, e
acima de 2 mil aeronaves já foram fabricadas até hoje. Nas forças
russas, sua desativação estava prevista para 2015, mas várias aeronaves
foram atualizadas recentemente e devem permanecer em serviço muito além
disso. A longevidade dessas aeronaves é uma prova de sua eficiência e de
sua popularidade, como provavelmente o melhor helicóptero russo já
fabricado.
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